Michelle acordou cedo naquela manhã. Apesar da noite mal dormida, sentia-se mais leve. Revisitar o passado com Enzo ao seu lado parecia tornar a caminhada menos solitária. Mas ainda havia lacunas. E entre elas, uma voz que ecoava na sua memória: a da diretora do orfanato, Emília
— Ela talvez saiba mais do que contou — disse Michelle, enquanto tomava café com Enzo. — Eu era pequena, mas lembro da forma como ela olhava pra minha mãe naquele dia…
— Então é hora de voltar lá — Enzo respondeu com firmeza.
No orfanato,Dra.Emília os recebeu com um sorriso gentil. Estava mais velha, mas os olhos ainda carregavam a mesma doçura firme de anos atrás.
— Michelle... você cresceu — disse, emocionada. — Eu me perguntei tantas vezes o que havia acontecido com você.
— Preciso entender — Michelle respondeu, direto ao ponto. — Por que minha mãe me deixou aqui e depois voltou pra me buscar? Por que anos depois me expulsou de casa como se eu nunca tivesse significado nada?Dra.Emília respirou fundo e sentou-se diante deles.
— Sua mãe, Helena, era uma mulher com muitos medos... e muitos segredos. Quando te deixou aqui pela primeira vez, estava desesperada. Fugindo de algo. Disse que não podia criar você. Mas um dia apareceu de novo, dizendo que estava pronta. Eu hesitei, mas ela tinha a guarda legal... Não podia impedir.
Michelle engoliu seco. Aquilo fazia sentido — mas doía.
— Ela voltou e levou você. Mas algo mudou com o tempo. Às vezes ligava, perguntava por coisas que não faziam sentido. Parecia... instável. Como se estivesse lutando com os próprios fantasmas.
Helena segurou a mão dela.
— Michelle, nada disso é culpa sua. Você foi amada aqui. E merece ser feliz agora.
Na volta para casa, Michelle ficou em silêncio, olhando pela janela. Enzo respeitava o momento. Ele sabia que certas feridas só cicatrizam quando expostas ao ar da verdade.
E ali, entre o passado que machuca e o presente que acolhe, Michelle sentiu que sua história estava, finalmente, sendo escrita por ela mesma.