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O maestro das sombras

Yonzin
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Synopsis
Após ver sua vila ser destruída por uma entidade sombria chamada Bouros, Jin carrega cicatrizes profundas e um fardo que pesa mais que sua própria alma. Anos depois, marcado pela perda e pela escuridão que ainda o assombra, ele parte em busca de redenção, enfrentando não apenas monstros, mas os próprios fantasmas do passado. Uma jornada de dor, memória e escolhas entre luz e sombra começa.
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Chapter 1 - Sussuros da ruína

“Meu nome é Jin.”

“Filho de Ragan, o chefe de Eres — um vilarejo pequeno, cercado por florestas densas e campos de trigo dourado. As colinas suaves protegiam a vila como braços de um gigante adormecido. Era um lugar onde o tempo parecia desacelerar, onde o cheiro do pão fresco e o som das risadas bastavam para preencher o dia.”

“Naquele tempo, eu achava que a vida seria sempre assim. Que o mundo terminava nas fronteiras do nosso vilarejo, e que meu maior problema era ser apenas... o segundo melhor.”

...

Acordava cedo, antes mesmo dos galos. O céu ainda estava escuro quando Jin saía para o pátio, esfregando os olhos e vestindo sua túnica fina, já manchada pelas sessões anteriores. Seu pai, Ragan, já o esperava.

— A força não vem do talento, Jin. Vem da disciplina. — dizia ele, firme, enquanto entregava uma espada de madeira ao filho.

— Mas Kael...

— Kael é Kael. E você é você. Agora, postura!

O treino começava com estocadas simples, movimentos repetidos dezenas de vezes. Ragan não era gentil nos ensinamentos. Cada erro custava uma correção ríspida. Cada acerto, apenas um leve aceno de cabeça.

— Mantenha os pés firmes! Vai cair de novo assim... — dizia, desviando facilmente um golpe de Jin e o derrubando no chão.

Jin se levantava, esfregando o braço ralado, os olhos ardendo.

Não chorava. Nunca na frente do pai.

Mas o que mais doía... era ver Kael, de longe, treinando com os guardas da vila — os movimentos dele eram rápidos, precisos, quase graciosos. Ele ria enquanto lutava, como se tudo fosse fácil.

E todos o olhavam com admiração.

“Um dia vou ser melhor que você...” Jin pensava, os punhos cerrados.

À noite, quando o sol tingia o céu de laranja, a família se reunia ao redor da mesa. Lira servia pão de mel quente, colhido da receita de sua avó.

— Eu tive que afastar Jin da cozinha hoje, — disse ela com uma risada leve — ou não ia sobrar farinha pra massa!

— Não é verdade! — Jin retrucou, mas o rosto estava vermelho.

Kael apenas sorriu.

— Amanhã deixo você fazer o pão. Sozinho. A gente vê no que dá. — brincou ela, piscando.

Todos riram. Até Ragan.

Foi uma noite tranquila...

A última.

...

O dia seguinte se deu início da mesma forma.

Era uma tarde fria, mas diferente.

O vento parecia conter a respiração.

Jin treinava no campo ao sul, socando um velho tronco com raiva. Havia discutido com Kael mais cedo, cansado de sempre ser tratado como “o pequeno”.

— Um dia eu vou ser melhor que você... — murmurou ao tronco, ofegante.

Suas mãos já pingavam sangue, mas seus olhos ainda mostravam o mesmo empenho de sempre.

O céu estava limpo.

Até escurecer de repente.

Uma nuvem negra começou a surgir do chão, e não do céu — como fumaça viva, rastejando pelos campos. As aves fugiram em silêncio. E então vieram os gritos.

Longos. Aflitos.

Ele deixou a espada cair e correu.

A fumaça já invadia os caminhos de Eres. Chamas brotavam das casas, como se surgissem do nada. Crianças choravam. Corpos no chão. A poeira cheirava a sangue.

E então... ele o viu.

Bouros.

Uma criatura colossal, feita de sombras densas e olhos rubros como brasas. Seus chifres curvavam-se para trás, e ele caminhava com uma tranquilidade demoníaca, como quem passeava entre formigas.

Jin parou.

Congelou.

Ragan surgiu correndo com sua espada manchada. Estava ferido, sangrando. O olhar — como fogo.

— JIN! FIQUE LONGE! — berrou. — LEVE SUA MÃE! FUJAM!

Mas Jin não respondeu.

Não conseguia.

Kael apareceu ao lado do pai. Ergueu sua lâmina reluzente, a armadura reluzindo sob a luz das chamas.

— Fique com a mãe! — gritou ele.

E correu de encontro ao monstro.

Jin não correu.

Não lutou.

Não gritou.

O tempo pareceu desacelerar. As sombras se arrastavam como serpentes. Os sons eram abafados, como se ele estivesse debaixo d’água.

Lira surgiu e o agarrou.

— Meu filho, escute... — sua voz tremia, mas ela sorria — vai ficar tudo bem. Você vai sobreviver.

Ela o puxou, tentando afastá-lo.

Mas o chão tremeu. Bouros se aproximava.

Um golpe de sombra foi lançado contra eles — rápido demais.

Kael o empurrou. E o golpe acertou ele.

Jin caiu de joelhos.

E Kael... caiu ao seu lado.

A armadura quebrada. Sangue escorrendo. Os olhos, ainda abertos.

— Jin... — murmurou, com dificuldade. — Cuida... deles...

E aquilo foi seu último suspiro.

Ali, ao seu lado.

Jin não conseguia respirar.

Ele odiava o irmão... Ele era tudo que Jin desejava ser, forte, rápido, confiante... E Jin. Um garoto assustado. Mas no fundo Jin o admirava...

E então sentiu os braços de sua mãe o envolverem.

Outro golpe... atingiu Lira nas costas. Ela cambaleou, caiu de joelhos, mas segurou o rosto de Jin com ambas as mãos.

Seu sangue manchava a roupa do filho.

— Olha pra mim... — sussurrou.

Ele chorava. Tremia.

— Você é mais forte do que pensa. Você... tem o coração do seu pai... e a luz do seu irmão...

Ela sorriu.

— Vai ficar tudo bem...

Seus braços fora perdendo a força, e lentamente seu corpo deslizava, Jin impediu que sua mãe chegasse ao chão...

E ali mesmo... ela morreu em seus braços.

Com um sorriso nos lábios, e algumas lágrimas em seus olhos.

Jin ficou ali. De joelhos. O corpo da mãe em seus braços. O sangue de se irmão espalhado ao lado.

E ele tremeu.

E chorou.

E então algo rachou dentro dele.

O eco da culpa gritava em seu peito

O corpo de Lira ainda estava em seus braços.

Esfriando cada vez mais.

Silencioso.

O sorriso em seu rosto, mesmo na morte, cortava Jin com a delicadeza brutal de uma lembrança feliz em meio ao inferno. Como ela podia sorrir? Como...?

Ao lado, Kael jazia com a cabeça apoiada em uma pedra rachada. Seus olhos haviam se fechado com o último suspiro, e a espada que não saia de sua mão ainda reluzia, partida, como um símbolo de bravura e desespero.

Jin não se mexia. Não falava.

Ele se desfazia por dentro.

Até ouvir um som seco.

O corpo de seu pai sendo arremessado contra uma parede de pedra.

— Pai...? — murmurou.

Ragan caiu de joelhos, cuspindo sangue. Sua armadura estava estraçalhada, o rosto ensanguentado, e o braço esquerdo pendia como um galho quebrado.

Bouros caminhava até ele. Devagar. Um borrão preto, uma sombra viva com olhos como carvões em brasa.

Ragan ergueu a cabeça, mesmo com o rosto tomado pela dor. Ele já havia aceitado seu destino, e ecolheu morrer de cabeça erguida.

Seus olhos se deleitaram levemente para o lado e ali ele viu...

Jin tentando ficar de pé.

As sombras ao redor tremiam como folhas num vendaval. Um sussurro antigo, parecia ecoar entre os destroços, como se o mundo prendesse a respiração.

E então uma memória passou pela mente de Jin.

De seu avô, Marcus, um antigo aventureiro, que lutou em grandes conflitos, mas ninguém lembrava de seu nome. Certa vez, contando-lhe uma história junto à lareira, enquanto a mãe assava pão de mel ao fundo.

> “Existem alguns humanos que chamamos de seladores, Jin. Eles nascem marcados. Mas o selo não vem de graça.”

> “O preço?” Jin havia perguntado, curioso.

> “Sentir. Rir. Amar. Sofrer. Tudo isso se torna... cinza. Para manter monstros longe do mundo, é preciso trancá-los em algo maior do que eles: o coração. Mas nem todo coração aguenta.”

Jin olhou para as sombras ao seu redor. Elas não o atacavam. O reverenciavam, como se ele merecesse ser reconhecido.

E então... ele entendeu.

Bouros podia ser selado.

Mas só se Jin entregasse tudo.

Todas as emoções. Todos os risos com sua mãe, as provocações com Kael, os abraços do pai... O medo. A dor. O amor.

Tudo.

A adaga da mãe, caída ao seu lado, brilhava fracamente. A prata de coração, que lhe foi entregue por seu pai Marcus dizendo ser um símbolo de proteção.

Jin a segurou.

Calor começou a percorrer seu corpo.

Seus olhos ficaram quentes, o suficiente para suas lágrimas saírem como vapor.

E então...

Fincou no próprio peito.

O sangue escorreu. As sombras pulavam, dançavam e pareciam gargalhar mesmo sem ter rostos.

Bouros rugiu.

Mas não escapou.

Olhou para o garoto com fúria, mas segundos antes de ser puxado, sorriu... Um sorriso capaz de assustar o mais experiente dos aventureiros...

Foi tragado. Puxado para dentro do selo, costurado ao peito de Jin com os fios invisíveis de um coração despedaçado.

Jin caiu de joelhos, arfando. O mundo ao redor ficou... mudo. Como se o vento não se atrevesse a soprar.

Ele se ergueu, cambaleante, e correu.

Cambaleou entre os destroços, entre os escombros do que fora seu lar.

E encontrou seu pai.

Ragan ainda respirava. Fraco. Muito fraco.

— Pai... — sussurrou Jin, caindo de joelhos ao lado dele.

— Jin...? — Ragan abriu os olhos com esforço. — Eu disse que você era forte... — com um sorriso orgulhoso no rosto.

Jin o abraçou.

E chorou.

As lágrimas escorreram por seu rosto sem que ele entendesse como. Se o sacrifício havia levado suas emoções, como ainda doía tanto?

— Me desculpa... me desculpa... eu não fui rápido o bastante, não fui forte o bastante... — a voz falhava, rouca, entre soluços.

Ragan tentou sorrir. A mão ensanguentada tocou o rosto do filho. E então caiu, sem força.

Jin gritou.

Gritou como uma criança perdida, como um filho arrancado do mundo. Como alguém que não sabia mais onde terminava a dor e começava o vazio.

E então...

Uma lembrança.

Suave. Doce. Um momento simples. A mãe, em um dia chuvoso, enxugando seu rosto com um pano florido.

> “É impossível alguém não sentir emoções, Jin.”

“Mas e se eu ficar bravo pra sempre?”

“Até isso é uma emoção, meu amor. Uma lágrima... um pequeno sorriso... já são emoções.”

E naquele instante, uma última lágrima solitária escorreu pelo rosto de Jin.

O selo podia tirar o que ele sentia... mas não podia apagar o que ele amava.

Seu corpo desabou sobre o peito de Ragan.

E, envolto por ruínas, morte e sombras silenciadas, Jin adormeceu uma última vez nos braços de seu pai... morto.