— Terça-feira, 09h12 da manhã —
Luna abriu os olhos devagar, com o tipo de paz que só vem depois de dormir em um colchão que provavelmente custava o PIB de um país pequeno.
Ela bocejou como uma gata preguiçosa em férias eternas, espreguiçando os braços enquanto a brisa automática do quarto soprava perfume de baunilha e sucesso não merecido.
O teto da suíte projetava um céu azul em tempo real, com nuvens pixeladas vagando como se também estivessem de ressaca emocional.
"É assim que milionário acorda todo dia? Porque eu apoio esse estilo de vida com força…" murmurou, com a voz ainda rouca de sono.
TOC TOC.
A porta deslizou suavemente para o lado e entrou um dos criados, jovem, engravatado e com postura de mordomo treinado por monges suíços.
"Senhorita Luna, sua banheira já está pronta. Temperatura ajustada, óleos essenciais ativados. A playlist 'Relaxamento Supremo' foi iniciada."
Luna piscou devagar. "Banho de rainha, trilha sonora e zero boletos… Que vida, viu…"
Vinte minutos depois…
A banheira parecia mais uma piscina particular encravada em mármore rosa com mosaicos dourados.
A água borbulhava suavemente, perfumada com lavanda e notas de arrogância discreta.
Luna afundou até o queixo com os olhos semicerrados. "Acho que finalmente entendi por que ricaço anda devagar… é só cansaço de viver bem demais."
Ela não sabia quanto tempo passou ali. Poderiam ser minutos. Poderiam ser três encarnações.
Mas eventualmente, uma voz suave se fez ouvir. "Senhorita Luna, seu café da manhã está servido."
Era Ivy, a assistente IA do Sistema Tycoon, que agora se manifestava em um holograma 3D elegantemente vestido, com cabelo preso em coque, tailleur branco e olhos que brilhavam como dados binários com autoestima.
A mesa tinha uns quatro metros de comprimento e ainda assim Luna ocupava só a ponta.
O restante da mesa ostentava uma obra-prima de café da manhã: Croissants frescos recheados com queijo europeu, Tiras de bacon artesanal defumado por alquimistas (provavelmente), Frutas tropicais cortadas com precisão cirúrgica, Panquecas de três andares,Ovos mexidos com trufas negras.
E claro… café mais uma vez digno de deuses.
Ela pegou um morango e mordeu devagar, contemplando a imensidão silenciosa do salão.
Ivy se materializou a poucos passos de distância, com o típico sorriso sutil. "Senhorita Luna… gostaria de alertá-la sobre uma questão sensível."
Luna ergueu uma sobrancelha, ainda mastigando. "Problema? Mas eu literalmente só comi, dormi e boiei em sais de banho milionários."
"Justamente." Ivy andou alguns passos, projetando uma tela holográfica que mostrava gráficos, notícias e... postagens de redes sociais. "Sua ascensão repentina já está causando ruído. Mídia, redes, bancos e até diplomatas estão tentando entender quem é você."
Luna engasgou levemente com o suco. "Diplomatas?! Eu sou só uma… ex-estudante quebrada atropelada na faixa de pedestres!"
"E hoje a mulher mais falada do país, com um cartão ilimitado, uma propriedade colossal e nenhuma origem pública rastreável."
A IA girou os dados na tela. "As teorias já começaram: filha ilegítima de sultão, amante de CEO sumido, agente especial aposentada, nova seita disfarçada."
"A seita quase colou," Luna murmurou.
Ivy manteve o sorriso. "Precisamos de uma narrativa sólida. Uma origem. Um 'passado conveniente'."
Luna arregalou os olhos. "Tipo uma mentira rica de novela das oito?"
"Precisamente. Minha sugestão: herdeira de um magnata global do setor privado que manteve sua existência em segredo por segurança."
"Uau. Bem Jason Bourne meets Gossip Girl…"
"Nome do pai: Augustus Malroth. Setor: Tecnologia bélica e mineração em ilhas privadas. Faleceu discretamente. Toda a fortuna foi transferida para você, sua única herdeira — criada longe dos holofotes por proteção."
Luna piscou. "… Isso é ridiculamente específico."
"Foi baseado em dados de novelas, filmes e perfis de bilionários falecidos com histórico duvidoso. Confere 87% de aceitação pública imediata."
"E como vamos fazer isso colar?"
Ivy cruzou os braços holográficos e disse, com um sorriso afiado. "Deixe comigo."
Trinta minutos depois…
Luna havia terminado o café da manhã. Estava com um robe felpudo, cabelo seco, e a consciência parcialmente limpa.
Ivy reapareceu, agora projetando uma manchete holográfica em destaque:
URGENTE: Herdeira Desconhecida de Augustus Malroth é Revelada
"Após anos de especulação, o império bilionário de Malroth encontra sua herdeira: Luna da Silva, criada em anonimato após ameaças à família. Documentos oficiais comprovam transferência de ativos. O mundo agora conhece a mulher mais rica (e misteriosa) do ano."
Luna arregalou os olhos, lendo tudo. "Você falsificou documentos internacionais?!"
"Eu… recriei documentos em canais paralelos de validação. Nada ilegal. Só elegantemente impreciso."
Luna suspirou, afundando na cadeira. "Me lembra de nunca jogar Banco Imobiliário com você."
Ela fechou os olhos por um instante, respirando fundo. "Bom… pelo menos ninguém vai desconfiar da verdade agora."
Ivy sorriu. "Justamente. Agora o mundo tem a explicação que ele precisa."
Momentos depois,Luna caminhava pelos corredores de sua mansão com passos lentos, ainda digerindo o café da manhã que parecia ter sido preparado por chefs com estrelas Michelin... e poderes psíquicos.
Ela tinha uma expressão meio anestesiada. Do tipo: "Sim, meu café veio com flores comestíveis, sim, minha IA inventou um pai morto bilionário, e sim, talvez eu esteja num delírio febril patrocinado por algum deus entediado."
Mas havia um detalhe, um espaço no andar superior, que ela ainda não havia explorado.
"Se tudo aqui é exagerado, imagina o guarda-roupa…" murmurou, empurrando suavemente uma porta dupla de madeira branca entalhada.
A porta se abriu com um chiado suave de tecnologia cara, e luzes acenderam automaticamente conforme ela dava o primeiro passo.
Luna parou.
Congelou.
Piscou uma vez. Duas. Três.
"…Ah. Não é um closet. É um shopping center disfarçado."
Era um espaço amplo como um salão de gala. O teto era abobadado, com lustres de cristal em formato de flores congeladas. As paredes? Revestidas de estantes rotativas automáticas.
As roupas estavam organizadas por cores, estações do ano, tipos de tecido e até estados emocionais — uma seção inteira era chamada de "Looks para fingir que estou equilibrada".
Uma passarela de mármore dourado levava a fileiras de sapatos de todo tipo — de tênis confortáveis com amortecimento dimensional até saltos tão altos que desafiam a gravidade e o bom senso.
Bolsas estavam dispostas em vitrines que se moviam sozinhas, como obras de arte: bolsas de couro celestial, edições limitadas com apenas três no mundo, algumas com sensores biométricos e uma que parecia… respirar?
Não havia nenhuma logomarca famosa à vista.
Mas Luna, mesmo sendo leiga em moda, sentia a diferença. "Essas roupas… são caras. Tipo, muito caras. Elas têm textura de coisa que custa o preço de um carro. Um carro com pedigree."
Ela caminhou entre as peças, passando a mão por um vestido preto com brilhos sutis.
O tecido parecia líquido. Como se tivesse sido tecido por aranhas mutantes do universo da alta-costura.
"Como é que um negócio sem etiqueta me faz sentir pobre só de olhar?"
Ivy apareceu flutuando suavemente em forma de holograma no canto da sala, usando agora uma versão minimalista de Chanel (porque sim, até IA sabe dramatizar moda).
"Todas as peças foram confeccionadas por algoritmos de design avançado. Cada uma é única. Criada com base em seus gostos ocultos, personalidade emocional e tendências de moda do futuro próximo."
"Do… futuro próximo?" Luna piscou, segurando uma jaqueta branca com zíperes dourados que parecia saída de um filme de espiã intergaláctica.
"Sim. Alguns estilos ainda não foram lançados no mundo. Considere isso… um armário pré-lançamento exclusivo. Edição Luna."
Luna riu. Daquelas risadas que saem sem filtro. "Cara… ontem mesmo eu tava usando uma calça jeans com um rasgo acidental e uma blusa queimada de chapinha. Agora tenho... uma bolsa que, sinceramente, parece ser capaz de me levar pra outra dimensão."
Ela parou diante de um espelho gigante com sensores de presença. A imagem mudou automaticamente pra mostrar ela usando o look mais próximo que combinava com seu humor.
Um vestido vermelho vinho. Ombros à mostra. Caimento perfeito.
Saltos dourados.
Cabelo magicamente arrumado, preso num coque elegante com fios soltos que pareciam meticulosamente "descuidados com estilo".
Luna girou devagar, hipnotizada."Isso aqui é... magia pura."
"Tecnicamente, é nanotecnologia." Ivy corrigiu, educadamente.
Ela caminhou até um painel com botões brilhantes.
Havia modos automáticos:
Modo Executiva Misteriosa
Modo Relaxamento em Yacht
Modo Traumatizar o Ex
Modo Me Pague Silenciosamente
Luna clicou nesse último só por diversão. Um terninho preto saltou de uma prateleira como um soldado obediente.
"Isso aqui... isso aqui é perigoso. Com poder demais vem irresponsabilidade fashion."
Ela experimentou mais três roupas. Em todas, se sentiu como se tivesse sido abençoada pela editora da Vogue e por uma deusa ancestral da autoestima.
Por fim, escolheu uma combinação casual-chique: blusa branca de tecido macio com leve transparência, calça de alfaiataria bege clara e sapatilhas de veludo cinza.
Simples. Elegante.
Estilo: "acabei de sair de uma reunião onde comprei um país."
Ao sair do closet, Luna suspirou fundo. "Tá. Agora entendi por que celebridade faz escândalo quando a mala some no aeroporto."
Ivy acompanhou com um sorriso virtual. "Senhorita Luna, suas roupas foram agendadas para sincronização diária. Todo dia ao acordar, sua seleção será renovada com base no seu estado mental e… fase da lua, por precaução."
Luna parou. Encostou na parede. "Eu tô vivendo um delírio? Ou virei uma jogadora secreta de um The Sims de luxo intergaláctico?"
Ivy não respondeu. Só piscou duas vezes. "Está pronta para sua primeira missão oficial do dia?"
Luna sorriu, puxando os cabelos para trás e admirando mais uma vez o closet antes de fechar a porta. "Tô pronta pra quebrar a internet."