Enquanto eu adentrava o templo, percebi que Niryn e Nora haviam permanecido do lado de fora. Não questionei. Meu foco estava em absorver cada detalhe daquele lugar profano.
Por dentro, o templo parecia ainda mais antigo do que por fora — como se fosse anterior à própria seita, talvez herança de alguma civilização esquecida, reconfigurada pela vontade do Nódulo. As paredes, esculpidas em pedra escura polida com símbolos esculpidos à mão, exalavam uma sensação de reverência doentia. Colunas grossas sustentavam o teto alto, cobertas por musgo espesso e raízes que se entrelaçavam como serpentes famintas.
Vasos cerimoniais repousavam em nichos nas paredes, transbordando com flores esverdeadas e fungos pulsantes. Um perfume denso, quase adocicado demais, preenchia o ar — uma mistura de incenso e matéria orgânica em decomposição.
Esse lugar… respira mana e fé fanática. Cada canto exala devoção e loucura em doses iguais.
Caminhei por aquele corredor reverente até que meus olhos se fixaram numa porta de pedra, adornada com símbolos em espiral e linhas verdes que pareciam brilhar fracamente. Empurrei-a com ambas as mãos, e ela se abriu com um rangido abafado, revelando o verdadeiro coração da seita.
A câmara era circular e ampla, com o teto perdido na escuridão acima. A única iluminação vinha de pequenos cogumelos bioluminescentes que cresciam em volta da sala, formando um círculo natural ao redor de três tronos esculpidos diretamente da pedra viva. As raízes que cobriam o chão se retorciam em silêncio, como se observassem minha chegada. Quando entrei, senti imediatamente... três presenças. Elas não apenas estavam ali — elas me atravessavam.
No trono da esquerda, repousava uma mulher de beleza quase sobrenatural. Ela aparentava estar entre os 28 e 32 anos, com um corpo que exalava sensualidade deliberada. Sua pele era viçosa, quase luminosa, como a de uma criatura das florestas ocultas. Os cabelos caíam em cascatas de um verde musgoso e profundo, adornados com pequenas folhas que pareciam vivas. Os olhos, dourados e penetrantes, cintilavam com malícia e fascínio. Usava um vestido cerimonial negro de tecido etéreo, que abraçava seu corpo com elegância profana. Rendas verdes e símbolos tribais ornamentavam a seda, e a fenda generosa revelava parte de suas coxas nuas e fortes. Um sorriso sutil brincava em seus lábios pintados de vinho escuro.
No trono da direita, um homem de meia-idade transmitia autoridade e austeridade. Seus cabelos, negros e bem cuidados, caíam até os ombros. Ele usava uma venda azul de tecido grosso sobre os olhos — algo simbólico, com certeza — mas mesmo vendado, a sensação de que ele me via era nítida. Suas roupas, negras como o breu, eram mais rígidas e cerimoniais, com runas verdes bordadas em padrões simétricos no peito e nas mangas. As mãos, nuas, mostravam dedos longos de pele esverdeada e unhas afiadas, como garras cobertas de musgo. Seu porte físico era firme, militar. O silêncio dele pesava.
No trono central, entre os dois, estava o homem mais estranho de todos. Jovem e esguio, tinha cabelos completamente brancos, penteados com exatidão, e olhos verdes que pareciam conter reflexos líquidos de mana. Sua pele era extremamente pálida, quase translúcida. Estava descalço, com os pés sobre raízes vivas que se entrelaçavam sob seu trono. As roupas, embora semelhantes às dos outros — pretas com detalhes verdes — eram minimalistas, quase monásticas. Cada dobra das vestes parecia colocada com cuidado, como se o tecido obedecesse à sua presença. Os dedos dele eram longos, com a ponta completamente enegrecida. E mesmo calado, emanava uma aura de calma absoluta... e controle absoluto.
Eles com certeza não são só simples líderes..
Dei um passo à frente e respirei fundo. Senti as raízes sob meus pés vibrarem em resposta. Virei o rosto para Niryn, que ainda estava ao lado da porta, e acenei com um movimento sutil. Ela entendeu, curvou-se e empurrou a porta, selando-me dentro da câmara com os três.
Com a porta se fechando atrás de mim, eu abri a boca para falar — mas uma voz surgiu antes, direto dentro da minha cabeça:
"Bem-vindo, caro irmão. É uma alegria receber um novo escolhido depois de tanto tempo."
Olhei na direção do som e percebi que vinha do homem à direita — o de meia-idade com a venda azul. Telepatia...? Ou seria a conexão do Nódulo? E o mais estranho... Ele me chamou de irmão. Deve ser por causa do mofo.
Antes que eu pudesse responder, uma voz suave e melodiosa cortou o ar:
"Oh, que coisinha adorável..." A mulher à esquerda sorriu, seus olhos brilhando de desejo e curiosidade. "Não é ele um encanto?" Ela lambeu os lábios lentamente, e sua voz dançou no ar como mel escorrendo. "Vamos às apresentações, meu bem. Eu sou a Matriarca... Vessha Cruz. Um prazer imenso, querido."
Ela fez um gesto delicado com a mão, então apontou com graça:
"Ao meu lado está o Padre Elarion Russo..."
E depois para o homem ao centro:
"E esse é o nosso Cirurgião. Ele não gosta de dizer seu nome para estranhos, mas como agora você é nosso irmão, pode chamá-lo de Magni."
Um som grave e abafado — "Hum." — veio do homem pálido no centro. Vessha riu baixinho, cobrindo a boca com a ponta dos dedos como se fosse uma cortesã brincando num teatro.
"Mas chame-o de Cirurgião na frente dos outros, tá bem? Ele é tímido... e fofo assim."
A atmosfera era estranha, carregada de algo que beirava o teatral e o predatório. Ainda assim, ver aquelas figuras tão diferentes me deixou um pouco mais... contido. Mas não seguro. Permanecei alerta.
"Meu nome é Arthur Morgan," respondi, firme, mas educado.
Vessha suspirou, encantada.
"Ah, que nome delicioso... Tão forte... Tão vivo..."
Nesse instante, a voz de Elarion ecoou novamente em minha mente, mais firme, porém cordial:
"Arthur, agora que nos conhecemos, posso ser direto."
"Você realizou um feito que não víamos há mais de duzentos anos: sobreviveu à união com o Nódulo original."
"Isso faz de você nosso irmão, e é por isso que o recebemos de braços abertos."
Irmão. Eles continuam chamando assim... Como se fôssemos mesmo parentes.
"E como sinal de nossa acolhida, queremos lhe oferecer recompensas, presentes, poder. Mas antes... você precisa ser testado."
Franzi o cenho. "Teste...? Que tipo de teste?"
Se tratando desse lugar, com certeza não seria nada leve.
A resposta dele veio fria como gelo, mesmo que a voz ainda fosse gentil:
"Você será lançado em uma caverna, junto de outras cem crianças. O desafio é simples: sobreviver por seis meses."
"Lá dentro, você encontrará perigos, horrores... mas também crescimento. Força."
"Aqueles que resistirem, serão recompensados. Você receberá seus dons. Suas bênçãos. E será... moldado."
Minha respiração travou por um segundo. Seis meses...? Cem crianças...?
"É um privilégio, Arthur. Não um castigo."
"A verdadeira ascensão nasce na sobrevivência. Está pronto para trilhar esse caminho?"
Olhei para o chão por um momento, tentando organizar a enxurrada de pensamentos. Seis meses... numa caverna... com outras cem crianças? Merda.
Não posso recusar. Não sei o que fariam comigo se eu tentasse. Não aqui. Não com eles.
Respirei fundo, ergui a cabeça e, com um leve sorriso forçado, respondi:
"Ah... claro. Por que não? Com certeza vai ser... divertido."
Fiz uma pausa, tentando soar despreocupado, mas deixando espaço para a sugestão.
"Mas antes disso, não seria justo me darem um tempo pra me preparar? Vocês entendem, certo? Ainda sou pequeno... frágil."
Vessha abriu um sorriso largo, seus olhos brilhando como se tivesse ouvido algo fofo.
"Oh, irmãozinho... ele tem razão!" Ela virou-se para os outros dois, balançando suavemente o corpo de forma quase felina.
"Que tal darmos a ele um mês para se preparar antes da provação? Ele ainda é uma florzinha se abrindo..."
Elarion e o Cirurgião trocaram olhares silenciosos — ou talvez apenas se entenderam pelo vínculo que compartilham. Ambos acenaram com a cabeça. Eu suspirei, aliviado.
Elarion então falou, sua voz ecoando em minha mente como um sino calmo:
"Muito bem. Um mês, Arthur. Use-o com sabedoria."
"Você tem permissão para circular livremente por nossas instalações. Explore. Observe. Aprenda."
Ele estendeu a mão e lançou algo em minha direção. Peguei no ar: uma placa de madeira negra, esculpida com símbolos verdes que pulsavam levemente com mana. Eu os reconhecia — runas de passagem.
"Com isso, você poderá andar onde quiser. Já é um de nós, afinal."
Fiz uma leve reverência.
"Obrigado... por me permitirem esse tempo."
Virei as costas e deixei a câmera. Assim que atravessei a porta, avistei Niryn parada no corredor, como se ela nunca tivesse se movido. Ele estava imóvel, me esperando.
"Vamos voltar pro quarto," murmurei.
Ela apenas assentiu em silêncio, e juntos começamos a caminhar pelos corredores úmidos do templo, enquanto minha mente pensava.